Sebrae lança rota em homenagem a Nhá Chica, primeira beata negra do Brasil

23/08/2019 • Competitividade

Trecho de 220 quilômetros da Estrada Real, o Caminho das Virtudes vai de Tiradentes a São Lourenço e está dividido em 11 partes, indicando a vida de santidade da mineira, que morou por sete décadas em Baependi

A pé, a cavalo, de bicicleta, moto ou carro – o meio não importa tanto, mas sim  e disposição para percorrer a rota de peregrinação em homenagem a Francisca de Paula de Jesus, a mineira Beata Nhá Chica (1810-1895). O trecho de 220 quilômetros da Estrada Real, entre Tiradentes, na Região do Campo das Vertentes, e Baependi e São Lourenço, na Região Sul do estado, onde viveu a primeira negra do país a ser beatificada, se torna atrativo turístico com o nome de Rota Nhá Chica – Caminho das Virtudes, projeto do Sebrae Minas lançado ontem, na Fazenda Topada, em Baependi.

Segundo a gerente da Unidade de Indústria, Comércio e Serviços do Sebrae Minas, Marcia Machado, o objetivo é dinamizar, por meio do turismo, uma série de atividades na região e proporcionar o desenvolvimento local: “Queremos fortalecer o empreendedorismo e gerar desenvolvimento e renda, por meio da hotelaria, gastronomia e outras iniciativas”. Estão envolvidos nove municípios: Tiradentes, Santa Cruz de Minas, São João del-Rei, Carrancas, Cruzília, Baependi, Caxambu e Soledade de Minas e São Lourenço. Uma cavalgada já “sacramentou” o caminho, tendo à frente Carlos Oscar Niemeyer Magalhães, dos Cavaleiros da Cultura e neto do arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012).

Virtudes

A Rota Nhá Chica – Caminho das Virtudes está dividida em 11 partes, indicando a vida de santidade da mineira que morou por sete décadas em Baependi. São eles os caminhos da Castidade (de Tiradentes, passando por Santa Cruz de Minas, São João del-Rei, com 11 quilômetros), Prudência (de São João del-Rei a Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, 11  quilômetros),  (de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno a São Sebastião da Vitória, 16 quilômetros), Humildade(de São Sebastião da Vitória a Caquende, 22 quilômetros), e Fortaleza (de Caquende, passando por Capela do Saco, a Carrancas, 30 quilômetros).

Fazem parte ainda os caminhos da Justiça (de Carrancas a Estação de Carrancas, 15 quilômetros), Pobreza (da Estação de Carrancas à Fazenda Traituba, 20 quilômetros), Obediência (da Fazenda Traituba a Cruzília, 37 quilômetros), Caridade (de Cruzília a Baependi, 19 quilômetros), Esperança (de Baependi, passando por Caxambu, a Soledade de Minas, 30 quilômetros) e Temperança (de Soledade de Minas a São Lourenço, 15 quilômetros). Ficará a cargo dos prefeitos montar a infraestrutura, incluindo marcos referentes a cada trecho.

Em nota, o superintendente do Sebrae Minas, Afonso Maria Rocha, observa que o caminho deve ser uma experiência de reflexão para turistas e devotos, com infraestrutura adequada para estimular o aumento do fluxo de visitantes na região, e, consequentemente, a ampliação das oportunidades para desenvolvimento dos pequenos negócios locais e a geração de emprego e renda para a população.

Além de ser um passeio de fé e reflexão, passando por diversas capelas, igrejas e santuários, acrescenta Afonso, a rota desperta a atenção pelos atrativos gastronômicos, naturais, de aventura e histórico-culturais. “A ideia é que hotéis, pousadas, bares e restaurantes localizados ao longo do percurso ofereçam produtos e serviços de qualidade e estejam preparados para ser pontos de acolhimento, com conforto e segurança aos peregrinos e turistas.”

De acordo com o Sebrae Minas, a caminhada dura em média nove dias, em um ritmo aproximado de 20km/dia, e pode ser feita em qualquer dos sentidos (Tiradentes a São Lourenço e vice-versa). Até o final do ano, a rota será sinalizada com placas e avisos sobre o significado das virtudes atribuídas à beata mineira. Haverá ainda um site com todas as informações sobre o percurso e ainda um guia impresso que vai orientar turistas e peregrinos sobre as condições da caminhada em cada trecho, distância, tempo necessário, inclinação do terreno, equipamentos de segurança, serviços disponíveis nos municípios e estabelecimentos para alimentação e hospedagem.

Humildade

A história da Beata Nhá Chica mistura fé, humildade e amor ao próximo. Francisca de Paula de Jesus era menina quando chegou a Baependi na companhia da mãe Isabel, uma ex- escrava, e do irmão Teotônio. Com eles, poucos pertences e a imagem de Nossa Senhora da Conceição. Não demorou muito e Francisca, então com 10 anos, ficou órfã, contando apenas com o irmão, de 12. Antes de partir, a mãe deixara os filhos aos cuidados e sob proteção de Nossa Senhora, a quem a menina chamava de “minha sinhá” e não fazia nada sem consultá-la.

Nhá Chica cuidou da herança espiritual que recebera da mãe.  Rejeitou todas as propostas de matrimônio que lhe apareceram, dedicando-se de corpo e alma a Deus. O seu objetivo era atender, sem discriminação, a quem a procurava, dando-se bem com os pobres, ricos e mais necessitados. Nos lábios, tinha sempre uma palavra de conforto. Desde muito jovem, era procurada para dar conselhos, fazer orações e dar sugestões para pessoas que lidavam com negócios. Contam que muitas pessoas não tomavam decisões antes de consultá-la e, para quem a considerava santa, respondia com tranquilidade: “É porque rezo com fé”.

A fama de santidade se espalhou de tal modo que pessoas de muito longe começaram a visitar Baependi para conhecê-la, conversar com ela, falar de suas dores e necessidades e, sobretudo, pedir orações. A todos, atendia com a mesma paciência e dedicação, mas nas sextas-feiras não atendia a ninguém. Era o dia em que lavava as próprias roupas e se dedicava mais à oração e à penitência, alegando que sexta-feira é quando se recorda “a Paixão e a Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo para a salvação de todos”. Às 15h, intensificava as orações e mantinha uma particular veneração à Virgem da Conceição, com a qual tratava familiarmente como a uma amiga.

Ao lado de sua casa, construiu a capelinha onde venerava uma pequena imagem de Nossa Senhora da Conceição, que pertencera à mãe. Nhá Chica morreu em 14 de junho de 1895, com 87 anos, mas foi sepultada somente no dia 18, no interior da capela por ela construída. As pessoas que ali estiveram sentiram exalar de seu corpo um misterioso perfume de rosas durante os quatro dias do velório.